Arquitetura

Como a arquitetura ocidental vem aumentando o calor no mundo

24 de maio de 2022

Nos últimos 60 anos, arquitetos e engenheiros se renderam a soluções industriais de construção, com edifícios criados para serem construídos cada vez mais rápidos e com um custo muito baixo.

À medida que surgia uma abordagem internacional de construção mais padronizada ao longo do século XX e (a curto prazo) mais barata , muitos profissionais abandonaram as tradições vernáculas de suas culturas ancestrais, que foram desenvolvidas ao longo de milhares de anos, para combater os extremos climáticos de diferentes regiões.

Uniformidade x Calor

Edifício padronizados são cada vez mais comuns em diversas capitais do mundo,  não interessa se foram construídos em Londres ou Bangkok, cidades de climas e posição geográfica totalmente opostas. As  varandas sombrias, brises e as grossas paredes isolantes, foram trocadas por um estilo moderno e quadrado.

Países de clima tropical como India, Tailândia e Brasil foram inundados por fachadas envidraçadas e lajes de concreto, dominando os skylines das cidades graças a sistemas de ar-condicionado cada vez mais eficientes  que permitiam a regulação das temperaturas no interior desses edifícios.

 

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Edifícios em São Paulo – fonte: Get Your Guide

 

Mas essas caixas de vidro sempre trouxeram problemas ambientais. Por exemplo, edifícios de escritórios construídos em Manhattan entre 1965 e 1969 consumiam duas vezes mais energia por unidade de área útil do que os edifícios erguidos entre 1950 e 1954.

Outro problema com fachadas envidraçadas é a intensa iluminação que entra no interior dos edifícios, o que faz com que persianas e cortinas sejam usadas bloqueando a visão externa e aumentando a dependência da iluminação artificial, que, por sua vez, aumenta ainda mais o consumo de energia.

Na era das mudanças climáticas essa uniformidade parece um erro. Grandes partes da Índia, por exemplo, vem sendo sufocadas por uma onda de calor  com temperaturas próximas de 50 graus. O aumento da demanda de energia para resfriamento ajudou a desencadear blecautes diários nas cidades piorando o efeito da ilha de calor urbana.

Quando as unidades de ar-condicionado são ligadas para ajudar as pessoas a dormir à noite, elas liberam calor nas ruas, o que pode aumentar a temperatura local em cerca de 5 graus, de acordo com um estudo publicado em 2014 no AGU – Advancing Earth and Space Science.

Como tudo começou

A arquitetura das cidades de clima tropical começou a mudar rapidamente na década de 1990, quando  países do chamado terceiro mundo começaram a fazer uma transição para uma economia baseada no mercado. À medida que a construção crescia, os estilos ocidentais ou globalizados tornaram-se a padrão. A mudança foi parcialmente estética; os desenvolvedores favoreceram os arranha-céus vítreos e as linhas retas consideradas prestigiosas nos EUA ou na Europa, e os jovens arquitetos trouxeram para casa ideias que aprenderam enquanto estudavam no exterior.

As considerações econômicas também desempenharam um papel. Como a terra se tornava mais cara nas cidades, havia pressão para expandir o espaço físico, eliminando paredes grossas e pátios que minimizavam o calor. E foi mais rápido e fácil erguer estruturas altas usando aço e concreto, em vez de usar blocos de terra tradicionais que são adequados para estruturas baixas.

A consequência dessa abordagem  foi tornar os edifícios menos resistentes às altas temperaturas. O impacto disso uma vez parecia mínimo: poderia ser facilmente compensado por ventiladores elétricos e ar condicionado, e os custos de energia de refrigeração não eram problemas dos desenvolvedores quando eles venderam seus edifícios.

Mesmo pequenas equipes de construção artesanal adotaram estilos mais modernos e padronizados. Essas equipes raramente têm um arquiteto ou designer treinado. “Eles constroem o que veem. Eles podem construir elementos tradicionais em suas casas de aldeia, mas quando chegam à cidade, são movidos pelos imperativos da cidade, pelos imaginários da cidade. E aí o estilo internacional é a aspiração.”, diz Aromar Revi, diretor do IHSS (Indian Institute for Human Settlements) em entrevista à revista Time.  

 

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Habitat: Vernacular Architecture for a Changing Planet da Dra. Sandra Pisek – fonte: Nail Book Sellers

Mudanças semelhantes ocorreram em países em desenvolvimento em todo o mundo, com cidades do Oriente Médio à América Latina assumindo a ideia de copiar e colar da arquitetura globalizada. À medida que a indústria global de construção adotou concreto e aço; materiais, projetos e tecnologias locais foram substituídos – com consequências duradouras.

Para a Dra. Sandra Piesk, arquiteta e autora do livro “Habitat: Vernacular Architecture for a Changing Planet”, alguns desses métodos tradicionais não passaram pela revolução tecnológica de que precisavam  para torná-los mais duráveis ​​e fáceis de usar em grande escala urbana, então os construtores se concentraram simplesmente  em aperfeiçoar o uso de concreto e aço.

A volta da construção vernacular?

Um movimento para reviver estilos de arquitetura mais específicos de cada região – e combiná-los com tecnologias modernas – está em andamento na Índia. Na última década, milhares de arquitetos, principalmente no município de Auroville,  promoveram o uso de paredes e telhados de terra. A terra absorve calor e umidade e agora pode ser usada para construir estruturas maiores e mais complexas graças ao desenvolvimento de blocos compactados mais estáveis.

Universidades estão ensinando os alunos a construir de uma maneira específica para o clima,  enquanto organizações sem fins lucrativos e empresas de construção artesanal estão realizando workshops ensinando essa abordagem a arquitetos e construtores de pequena escala.

 

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Construção vernacular com tijolo de terra do Auroville Earth Institute – fonte: Earth Auroville

A adoção mais ampla de arquitetura sensível ao clima reduziria bastante a energia necessária para resfriar os edifícios. Isso pode ser crucial para  o planeta nos próximos anos. Já existem 3,6 bilhões de aparelhos de refrigeração em uso em todo o mundo agora, e esse número está crescendo em até 10 aparelhos a cada segundo, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Agência Internacional de Energia. Em 2050, os especialistas preveem que precisaremos de 14 bilhões de unidades para atender às necessidades de todos.

Aumentar o uso de materiais tradicionais no setor de construção  também afetaria as emissões de CO2 no planeta. A arquitetura vernacular tende a usar substâncias mais naturais, de origem local, como terra ou madeira, em vez de concreto e aço, que são criados por meio de processos industriais intensivos em carbono e transportados a milhares de quilômetros de distância. Um artigo de 2020 publicado por pesquisadores no International Journal of Architecture descobriu que a produção de materiais vernaculares exigia entre 0,11 MJ e 18 MJ de energia por quilo, em comparação com 2,6 MJ a 360 MJ por quilo para materiais modernos.

O futuro da arquitetura não será simplesmente voltar  como as coisas eram há 70 anos nos países tropicais antes da chegada do Movimento Moderno. O caminho a seguir é canalizar as estratégias de solução de problemas enraizadas localmente dos arquitetos tradicionais, incorporando técnicas contemporâneas – encontrar um equilíbrio entre a ancestralidade e a modernidade no combate ao calor.

Quem sabe assim, poderemos tentar corrigir os impactos negativos causados pela aceleração exacerbada e feroz da construção civil do último século, principalmente no Sul Global, a maior vítima do aquecimento e da poluição no mundo.