Em 8 de janeiro desse ano, milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, se revoltaram em Brasília. Em um estranho paralelo com o episódio de 6 de janeiro de 2020 no Capitólio dos EUA, Bolsonaro, assim como Trump, provocou repetidamente o sistema de votação do país, inclinando seus apoiadores a acreditar que a eleição que elegeu o líder da esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, foi fraudulenta.
Após a posse de Lula na semana passada, os manifestantes invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio da Alvorada e quebraram janelas, cortaram pinturas e saquearam escritórios.
O Planalto divulgou itens danificados como o quadro ‘As Mulatas’, de Di Cavalcanti, que é estimado em R$ 8 milhões. A obra foi parcialmente rasgada por bolsonaristas durante a invasão. A obra “Bandeira do Brasil”, de Jorge Eduardo, de 1995 — a pintura, que reproduz a bandeira nacional hasteada em frente ao palácio e serviu de cenário para pronunciamentos dos presidentes da República, foi encontrada boiando sobre a água que inundou todo o andar, após vândalos abrirem os hidrantes ali instalados.
A Obra “O Flautista”, de Bruno Giorgi — a escultura em bronze foi encontrada completamente destruída, com pedaços espalhados pelo salão. Está avaliado em R$ 250 mil. Escultura de parede em madeira de Frans Krajcberg — quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira, que foram quebrados e jogados longe. A peça está estimada em R$ 300 mil.
O Relógio de Balthazar Martinot — o relógio de pêndulo do Século XVII foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI. Martinot era o relojoeiro de Luís XIV. Existem apenas dois relógios deste autor. O outro está exposto no Palácio de Versailles, mas possui a metade do tamanho da peça que foi completamente destruída pelos invasores do Planalto. O valor desta peça é considerado fora de padrão.

Terroristas em Brasília Fonte: Reuters
Embora os militares tenham acabado com o cerco, é chocante ver os monumentais edifícios modernistas de Brasília saqueados e danificados. Mas não é totalmente inesperado. Os regimes de extrema direita há muito atacam locais culturais que simbolizam ideologias opostas às deles.
Os conservadores nostálgicos de um passado que nunca existiu muitas vezes transformaram a arquitetura modernista em vilão. O rei Carlos III é famoso por odiar edifícios contemporâneos, usando palavras como “carbúnculo” para descrevê-los. Trump estabeleceu um mandato de arquitetura antimodernista (já revogado) para “tornar os prédios federais bonitos novamente”. A Rússia destruiu mais de 150 locais culturais na Ucrânia, incluindo muitos dos patrimônios construtivistas únicos do país em Kharkiv, desde que começou sua guerra no início de 2022.
Com a profanação de Brasília, a extrema-direita finalmente atingiu um alvo modernista. A capital, inaugurada em 1960, foi projetada desde o início para simbolizar valores progressistas e democráticos. Seu arquiteto, Oscar Niemeyer, era comunista. Ele e o urbanista Lúcio Costa imaginaram um centro cívico monumental com paisagismo de Roberto Burle Marx, cercado por áreas residenciais bucólicas e integradas. O então presidente Juscelino Kubitschek, que encomendou a cidade, chamou-a de “utopia”, embora agora seja conhecida como uma advertência para o planejamento urbano, porque era muito focada na forma, e não no que torna uma cidade viva e confortável.
Ainda assim, sua arquitetura ambiciosa é inigualável. Em 1987, a cidade foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO, um dos primeiros locais modernistas a receber a distinção. Enquanto os insurgentes de 6 de janeiro causaram danos no valor de US$ 1,5 milhão ao Capitólio, o custo dos reparos em Brasília provavelmente será de muitos milhões.
Os apoiadores de Bolsonaro, assim como os desordeiros do Capitólio, almejavam a sede do governo, qualquer que fosse seu estilo arquitetônico, tendo como objetivo o caos e a destruição. Mas mesmo antes de 8 de janeiro, Bolsonaro, pode ter aberto um precedente para destruir o local. Durante sua presidência, ele frequentemente ameaçou com violência e alertou para uma “ruptura” caso perdesse a candidatura à reeleição.
E embora tenha condenado as “depredações e invasões de prédios públicos” no Twitter, ele deixou o palácio presidencial em frangalhos após seus quatro anos no cargo com sofás rasgados, tapetes rasgados, obras de arte desbotadas pelo sol, janelas quebradas e pisos de jacarandá rachados.
Teria acontecido a mesma coisa se os edifícios invadidos e as obras destruídas fossem referências do classicismo europeu e da herança colonialista?