Arquitetura

CopyCat: porque a cópia de um estilo é nocivo para as cidades?

15 de junho de 2020

CopyCat é o ato de emular algo que já foi criado e usá-lo num outro contexto. Copycats podem existir na música, nas artes, no design; mas eles não são exatamente uma inspiração projetual ou uma referência estilística, mas sim uma cópia literal com quase nenhuma modificação da obra original.

Em arquitetura é como se você se inspirasse em uma obra emblemática de outro espaço-tempo e o colocasse numa local sem ligação com as raízes originais do estilo-obra.

O exemplo da China

Existem inúmero exemplos de Copycat na arquitetura ao redor do mundo. A China, por exemplo, é campeã em Copycat, com edifícios emulados da Torre Eiffel, da Capela Rochamps de Le corbusier e até uma cidade toda construída inspirada em Manhattan chamada Tianzin!

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Cópia da Torre Eiffel na cidade de Tianduchen

A coisa estava indo tão longe que o governo chinês passou a proibir copycats a partir de 2020, numa tentativa de preservar o design local.

Qual o problema do Copycat e por que eles são tão criticados mundo afora?

Espaço-tempo

Eu tive um professor na faculdade que dizia que precisamos construir arquitetura com “significados culturalmente relevantes”. Isto é, as obras precisam criar uma conexão com o lugar e com o tempo em que estão inseridas, dialogar respeitando a história e a identidade daquele lugar.

Ora, mas e se o seu cliente for um grande fã, por exemplo, da Casa Branca nos EUA e tivesse como sonho morar numa edificação parecida? Foi o que aconteceu no tão falado caso da mansão do cantor Gusttavo Lima construída no interior de Goiás.

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Casa de Gusttavo Lima
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Casa Branca em Washington

Claramente a Casa Branca não faz parte do espaço-tempo de Goiás. Foi construída em estilo neoclássico palladiano em 1772 , uma realidade bem distante do cerrado brasileiro. Então sim, o projeto da casa do cantor é uma Copycat, uma cópia mal feita em larga escala de uma edificação que não se conecta com a história e o tempo desse lugar.

Estaria o arquiteto errando por ter feito a vontade do cliente em detrimento do respeito ao lugar e ao tempo? Essa discussão é bem complicada e para tentar entender melhor, vamos falar um pouquinho de filosofia.

As questões de gosto

Para o filosófo Pierre Bordieu (1930-2002) que escreveu sobre as questões de gosto e formação cultural, os seres são formados por Habitus. O que seria isso?

Habitus é um sistema de disposições incorporadas, tendências que organizam as formas pelas quais os indivíduos percebem o mundo social ao seu redor e a ele reagem a ele. O Habitus é adquirido através de da realidade vivida a que os indivíduos são socializados, sua experiência individual e oportunidades objetivas. Assim, o habitus representa a forma como a cultura do grupo a história pessoal moldam o corpo e a mente e, como resultado, moldam a ação social no presente.

Para Bordieu, o Habitus rege as questões de gosto e influencia como o indivíduo se comporta na vida em sociedade, refletindo nas ações de compra e nas questões estéticas de tudo o que o cerca. Se um Habitus não é maduro, provavelmente suas escolhas refletem em decisões imaturas de gosto.

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Cópia do Arco do Triunfo em Wuhan

Kant (1724-1804), um dos principais filósofos da era moderna também comentou sobre o gosto e a questão cultural no seu livro de 1790 “A faculdade de julgar”. Para Kant existe bom gosto (gosto erudito, da academia) e existe mau gosto (não necessariamente ligado ao que é popular, mas baseado em padrões culturais mal-construídos).

Não podemos exigir que todas as pessoas tenham gostos e habitus bem construídos, pois isso depende da história de vida e do acesso que essas pessoas tiveram na sua educação formal.

No Brasil, isso é ainda mais complicado onde a nossa educação é deficiente, principalmente no campo visual, artístico e estético. Não à toa existem inúmeros casos por aqui como a casa de Gusttavo Lima.

E na prática como fica o Copycat?

Isso se reflete na Arquitetura, quando estamos projetando para um cliente, não são raros os casos de clientes com pedidos estranhos, desejos de copycat e gostos duvidosos.

Cabe a nós tentar catequizá-los e ensiná-los, porque isso também é função dos arquitetos. Ter respeito ao local e ao tempo que estamos criando e ensinando aos outros sobre isso.

Se não funcionar? Paciência! É difícil negar um projeto (projeto significa dinheiro, né?) por que o cliente não arreda o pé de uma ideia maluca ainda mais quando estamos iniciando nossa vida profissional e ainda não podemos escolher os clientes. Já escrevemos sobre isso aqui!

O grande problema no caso do Copycat são os edifícios públicos e de grande escala, cuja inserção no espaço urbano se dá em locais emblemáticos da cidade com alta concentração de pessoas. Até que ponto um Copycat tão grande pode influenciar negativamente na experiência urbana do indivíduo que ali transita?

Deveria existir uma comissão pública para julgar e aprovar a estética dos projetos desse tipo? O Brasil deveria proibir Copycat assim como a China?